domingo, 29 de dezembro de 2013

Eleá

      Eleá sempre fugia por algum motivo e depois voltava a minha procura, no entanto não existem motivos para que eu fique feliz. Eleá sempre vai e volta com jeito manso e começa a perguntar sobre a minha vida. Respondo que ainda sou aquele mesmo que sobe em árvores e caça fantasmas quando a noite cai. Sem mistificações. Digo que corro por correr e que não adianta me perguntar sobre qualquer coisa esperando respostas sobre si mesmas. Até porque não saberei responder. Sou até um pouco grosseiro. Mas, Eleá logo me pergunta por que não sei de nada. Logo respondo – mesmo estafado de tantas respostas – que nunca consegui olhar diretamente para os seus olhos. Mesmo subindo tantas vezes a mesma árvore na espera de enxergar algo lá em cima ou lá de cima. Assim explico que acabei desistindo. Mas, Eleá joga sujo comigo. Eleá me coloca a confrontar o menino curioso e o homem desgostoso. Estes dois pobres que vivem dentro de mim. Começa a usar da sexualidade. Assim me carrega todas às vezes – das quais me lembro – para lugares onde vejo corpos lindos. Corpos que qualquer um correria ao encontro para seu próprio prazer. Então executo. Consigo me saciar desse tal prazer. Caio em mais uma das armadilhas de Eleá. Então quando já estou cansado voltando para minha casa. Eleá me chama novamente. Diz que foi apenas uma brincadeira e que naquele momento eu precisava brincar. Jogar. Precisava me distrair um pouco. Paramos sozinhos no meio da rua e Eleá tenta me seduzir novamente:
      Não precisa me contemplar ou sequer ver meus olhos, senão vai acabar estragando tudo – diz Eleá com voz mansa – completando sua fala dizendo que era só esperar o tempo agir. 
       Mas, aí que eu me inquietava de vez. Eleá ia embora com passos calmos, mas vira e mexe olhava para trás. Parecia enxergar minha inquietação. Tirando a ansiedade eu achava o resto daquilo estupendo. Eleá parecia enxergar não somente minha inquietação – esse fogo manso que subia dos pés até a cabeça –. Eleá enxergava minha alma. Um laço cármico nos abraçava em meus sonhos. Então acordo e este dia é o dia em que vou ver Eleá. Encontro Eleá entregando comida aos famintos. Que engraçado. Nunca imaginaria que Eleá fazia estas coisas. Eleá não me dá muita conversa. Não consigo nem chegar perto. Os famintos se levantam e vão correndo atrás de Eleá. Em um prazer não só do pão e da comida. Mas, também de suas pernas. Eleá corre tão rápido que a perco de vista. Os famintos estúpidos conseguiram roubar Eleá de mim. Não perceberam que Eleá não é disso. Desde esse dia não encontro mais Eleá em nenhum lugar. Em todas as ruas por onde ando não há sequer uma marca dos passos de Eleá. Grito por seu nome todas as noites. Eleá... Eleá... Eleá... Subo novamente a árvore. Mas, tropeço e não enxergo nada. Nada.